Na casa da professora Melissa Teófilo, 33 anos, nunca falta água fresca. Pudera, ela mora em Porto Seguro, na Bahia, onde, no verão, as temperaturas ficam acima de 30 °C facilmente. Luísa, 7 anos, e Cecília, 4, nem pedem água para a mãe, vão logo se servindo sozinhas. Ela até trocou o antigo filtro de barro por um elétrico, que gela, para dar conta. “Minhas filhas bebem muita água. Dizem que isso é incomum nas crianças... acaba que elas me incentivam a tomar mais também”, conta a mãe.
E as meninas estão certas! De acordo com a Academia Americana de Pediatria (AAP), crianças de 1 a 3 anos precisam de, pelo menos, quatro copos de água por dia, número que sobe para cinco copos dos 4 aos 8 anos e sete a oito copos para os mais velhos, de 9 a 13.
A situação da casa de Melissa não é um retrato da maioria dos lares, já que, realmente, as crianças costumam ter dificuldade para beber água. Nas férias, então, não é fácil convencê-las a parar de brincar para se hidratar.
Desidratação
Mas precisa insistir: sabia que, se, enfim, seu filho veio pedir água, provavelmente já está desidratado? “Brincando, as crianças não têm a percepção de quando começa a sede, e ela é o primeiro sinal de desidratação”, alerta a especialista em nutrologia pediátrica Fabíola Isabel Suano, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). E a desidratação faz estragos no organismo. Começa com boca e pele secas, dor de cabeça, tontura, constipação intestinal, além de aumentar as chances de desenvolver pedra nos rins e infecção urinária. Por isso, fique de olho no xixi. Se estiver muito amarelo, capriche na água!
“Hidratação é fundamental, porque 80% do nosso corpo é composto de água, então, ela está presente na função de transportar as vitaminas,auxiliar os minerais na absorção dos nutrientes, manter uma pele saudável…”, explica a nutricionista clínica e materno-infantil Juliana Malvestio Maioli, de SP. E mais: ajuda a regular a pressão arterial, é importante para os músculos, intestino e o desenvolvimento cognitivo.
Vale considerar, ainda, algumas variáveis, como quais brincadeiras estão rolando, os hábitos familiares e até mesmo o clima. “Em dias quentes, temos uma perda hídrica maior, mas é importante entender que a umidade, a atividade física e a exposição ao sol também influenciam”, explica Fabíola.
Melhores escolhas
Ok, mas e para as crianças que não gostam de água e os pais oferecem suco? Primeiro, explique a importância desse líquido, em vez de só forçar. Segundo, beba mais água em família. “É necessário encorajar o consumo desde a introdução alimentar, porque há uma janela de oportunidade para a formação do hábito. Se desde pequeno você oferece suco – tendemos a preferir os alimentos mais doces, vale lembrar –, acaba estimulando esse paladar e será mais difícil ele aceitar água”, diz Fabíola, da SBP.
Nos EUA, o relatório Healthy Beverage Consumption in Early Childhood, da iniciativa Healthy Eating Research (HER), em parceria com organizações ligadas à saúde infantil, como a AAP, mostra que cerca de 44% das crianças entre 2 e 5 anos consomem diariamente bebidas com açúcar. Nada bom.
“Em casa, deixamos claro que água, suco e refrigerante são coisas diferentes, e que o suco não necessariamente hidrata”, diz Melissa. É isso aí! Com essa consciência estabelecida – nos pais e nas crianças – é possível, sim, que sucos, água de coco e outras bebidas façam parte do cardápio, mas jamais em porção maior do que a água. “Não é preciso demonizar o suco e outros líquidos, mas entender que têm um papel, um momento e uma quantidade dentro de uma alimentação variada”, diz Fabíola.
A seguir, entenda mais sobre cada bebida para fazer melhores escolhas neste verão (e na vida!).
Água
Todos os pediatras e nutricionistas são unânimes: apenas a água tem a função perfeita da hidratação. E estamos falando de água pura, fresca e disponível. Os pais devem ofertá-la nos intervalos das brincadeiras, fracionada ao longo do dia entre as refeições, e tendo em mente a quantidade recomendada. Para os bebês menores de 6 meses que mamam no peito, toda a água necessária vem da amamentação. Após essa fase, a nutróloga Fabíola Isabel Suano recomenda uma quantidade média para cada faixa etária. Anote:
De 7 a 12 meses800 ml ao dia
De 1 a 3 anos1.300 ml ao dia
De 4 a 8 anos1.700 ml ao dia
Outras bebidas até entram nessa conta, mas não devem substituir a água, que precisa sempre ser em maior quantidade do que sucos, chás e demais líquidos. “Por exemplo, uma criança de 3 anos teria de beber pelo menos 1 litro de água, e o restante poderia ser de suco ou outra bebida”, diz a nutricionista Patrícia T. G. de Macedo, do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre (SP).
Suco natural
Durante anos, os pais foram orientados a dar suco para os filhos, o que virou um hábito na maioria das casas. Hoje, no entanto, a recomendação é outra. “A ciência é feita de mudança. Hoje se entende que o suco tem muito carboidrato e a criança se acostuma. O melhor, do ponto de vista nutricional, é oferecer a fruta, porque ela tem a fibra também”, orienta a especialista Fabíola, reforçando que não se deve oferecer a bebida antes dos 2 anos.
O Guia Prático de Alimentação da Criança de 0 a 5 anos, da Sociedade Brasileira de Pediatria, orienta que os sucos devem ser evitados pelo risco de predispor à obesidade. Isso porque, devido ao maior consumo de calorias e de frutose, que é metabolizada no fígado em triglicerídeos, aumenta o risco de esteatose hepática (a popular gordura no fígado) na vida adulta.
Resumindo, pode dar, mas jamais substituindo a água. E atenção para a quantidade, afinal, para um copo são necessárias, mais do que 4 laranjas, por exemplo, volume que não seria consumido pelos pequenos de uma vez. “Ofereça cerca de 150 ml, e só no final da refeição, porque a criança tem de saber diferenciar o sabor de cada alimento, e também para não lotar o estômago de líquido”, diz Patrícia. Para mandar no lanche, cuidado com as frutas que oxidam, como melancia, e coloque sempre em garrafinhas térmicas com cubos de gelo para mantê-lo fresco.
Sucos de caixinha
Se o suco natural já levanta questões, os industrializados são ainda menos recomendáveis, principalmente por conter açúcar ou adoçante. O Guia Alimentar, do Ministério da Saúde, em conjunto com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo, alerta para evitar essa bebida por conter conservantes, aromatizantes, corantes e aditivos.
Difícil, porém, encontrar uma criança que não queira, ao menos, experimentar. Os ultraprocessados - sucos de caixinha, inclusive - são contradindicados para menores de 2 anos. Acima disso, melhor evitar ou consumir esporadicamente. E é preciso mensurar os riscos e ler o rótulo. Prefira os sucos integrais, pasteurizados, orgânicos e sem açúcar. “O suco em pó tem 1% de fruta, já o refresco tem 20%. Um néctar, a partir de 40% de fruta diluída em água adoçada. Para ser chamado de suco, ele vai ter, no mínimo, 60% da fruta com água”, ensina Patrícia.
Para Fabíola, vale repensar hábitos de consumo. Se precisamos levar uma bebida a um passeio, por que não água? Deixe o suco de caixinhapara momentos de exceção.
Leite
No caso dos bebês, o aleitamento materno supre as necessidades de hidratação e pode ser mantido de maneira complementar até os 2 anos. Na impossibilidade do aleitamento materno, a fórmula pode ser utilizada até os 9 meses, de acordo com o Guia Alimentar. Depois disso, a criança pode tomar leite de vaca. Os pais precisam ficar atentos:
“O leite de vaca não é uma bebida para hidratação, porque ele é rico em proteína e possui muita gordura. Ele tem água, claro, mas inclui outros componentes e é calórico, podendo diminuir o apetite. Se tomado em demasia, gera obesidade e excesso de proteína, sobrecarregando os rins”, diz a nutricionista materno-infantil Juliana.
Ofereça o leite no café da manhã e no lanche para o cálcio não atrapalhar a absorção do ferro das refeições principais. Para crianças acima dos 3 anos, são três a quatro porções de lácteos ao dia, como leite, queijo e iogurte, evitando os ultraprocessados.
Rico em cálcio e importante para a formação dos ossos, Fabíola recomenda que as crianças até 2 anos bebam o tipo integral, pois não há indicação de restrição de gordura. Acima dos 2, melhor o semidesnatado, mas vale sempre, claro, conversar com o pediatra por causa de eventuais alergias.
Ah! E se o seu filho não dispensa o achocolatado, atenção: “Use a menor quantidade possível, uma colher de chá basta, e leia o rótulo, preferindo os que têm cacau como primeiro ingrediente e não o açúcar. Ou adicione só cacau em pó, conferindo se não é misturado a outros ingredientes.
Chá e café
As infusões de ervas e frutas, desde que sem cafeína (chá-verde, branco, mate e preto estão fora da lista) podem ser oferecidas. Já o café, bem, aí as opiniões se dividem. Em uma recente orientação, a AAP foi enfática: o café não deveria ser consumido por menores de 12 anos.
Segundo a entidade, a cafeína pode trazer os mesmos efeitos nocivos que provoca nos adultos, como taquicardia, ansiedade e problemas gástricos, só que de forma mais rápida nas crianças por conta do peso menor e pelo organismo estar em formação. Além do risco de causar vício, ter efeitos no desenvolvimento neurológico e cardiovascular e inibir a absorção do ferro, o que é preocupante na infância.
“A cafeína é um estimulante do sistema nervoso central e o cérebro da criança, especialmente até 2 anos, está em formação. Então não tem uma dose ideal e segura de consumo”, explica a nutricionista Fabíola. O Guia da Sociedade Brasileira de Pediatria, inclusive, salienta que o café com leite faz parte da nossa cultura, mas que seu consumo não é recomendado para os menores. “Depois dos 2 anos, se for do hábito da família, começaria usando apenas para saborizar o leite”, diz a pediatra. A nutricionista Patrícia ainda lembra que, como a tolerância da cafeína é individual, seria preciso avaliar cada criança: “Ela dorme bem? É muito elétrica ou ansiosa?”.
Refrigerante
Evite ao máximo! “As pessoas não mensuram o risco dessa bebida. Ela é um ultraprocessado que foi pensado para ser palatável. A gente se adapta ao sabor e acaba não ingerindo outras bebidas. Fora que tem muito açúcar e outras substâncias que podem fazer um estrago, como o ácido fosfórico e o bicarbonato, que interferem na mineralização óssea”, explica Fabíola. A nutricionista Juliana complementa: “E pode gerar obesidade, diabetes e osteoporose”.
Isso sem falar que a bebida está sendo oferecida para crianças cada vez menores, que ainda estão formando seu paladar. A Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 11,5% das crianças brasileiras de até 2 anos já tomaram refrigerante. Outro estudo, publicado no Journal of American Medical Association Pediatrics, revela que, nos Estados Unidos, crianças e adolescentes consomem cerca de 100 calorias a mais por dia porque trocam a água pelo refrigerante. É só fazer as contas do quanto isso representa ao final de um ano! “Não é mais só na festinha ou no fim de semana, as famílias tomam diariamente. Quanto mais os pais conseguirem segurar, melhor, porque vira um hábito”, diz Patrícia. E não, nem se for zero, já que a maioria possui adoçantes, que prejudicam a microbiota intestinal, causando, ora diarreia, ora intestino preso.
Água de coco
Popular no Brasil, a água de coco virou queridinha das famílias, mas é um equívoco pensar que seja substituta da água. O Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, do Ministério da Saúde, sinaliza que não é uma boa prática, pois habitua a criança a matar a sede com bebidas açucaradas. “A água de coco é como se fosse um refresco. Ela pode entrar no mesmo espaço que entraria o suco”, indica Fabíola, que chama a atenção para a quantidade grande de sódio e carboidrato.
Ainda assim, é uma bebida que pode ser mais interessante do que o suco, já que num dia quente de praia, por exemplo, ela ajuda a repor os sais minerais perdidos no suor. A nutricionista Patrícia, da Pro Matre, recomenda introduzir somente a partir de 1 ano, em pequenas doses, observando a reação do organismo da criança.
Isotônico
Pensado para repor os nutrientes durante a prática esportiva, muitos pais acreditam que a bebida ajuda os filhos depois de algum exercício. “É para atletas, não para praticantes de atividade física, e não deveria ser consumida por criança, por conta do excesso de sais minerais e eletrólitos que sobrecarregam os rins”, diz Juliana. A maioria ainda contém açúcar, conservantes e corantes. Jogou uma bolinha, foi para a natação? O melhor é beber goles de água ao longo da prática, combinado?
Fonte: Crescer
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