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  • Foto do escritorBaby Gym

Pandemia impactou mães que trabalham fora, mas qual é o impacto nas crianças?


Com dois mestrados — incluindo um MBA pela Universidade de Columbia — Sarah Shtutin sempre valorizou sua carreira de consultora na área da saúde. Mas no ano passado, quando a pandemia de covid-19 foi deflagrada, ela e o marido decidiram que, dado o maior salário e os horários mais flexíveis dele, ela reduziria sua jornada de trabalho pela metade para cuidar dos três filhos, todos menores de seis anos, que ficariam em casa em vez de irem para a escola.

A princípio, sem a pressão de crianças agitadas e com mais tempo para brincarem fora de casa, tudo correu bem. “Mas eu não imaginei que em fevereiro de 2021 ainda estaríamos na mesma situação”, ela conta. “No momento, sinto-me extremamente esgotada.”


A essa altura da pandemia, a experiência de Shtutin já é considerada normal: quase um milhão de mães saíram de seus empregos desde o início da paralização, e muitas outras reduziram as jornadas de trabalho para cuidar das responsabilidades domésticas. Mulheres que trabalham fora de casa também estão assumindo mais responsabilidades em relação aos cuidados dos filhos enquanto escolas e creches permanecem fechadas.


De acordo com o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, desde o início da pandemia de covid-19 o número de mulheres na força de trabalho diminuiu para cerca de 56%, comparado a quase 58% em janeiro de 2020 (ou 57,5% em 2019). “Em termos de ocupações preenchidas por mulheres, estamos nos mesmos níveis de 1988”, conta Julie Kohler, cientista social e membro do Centro Nacional de Direito da Mulher. “O fato de que, em menos de um ano, perdemos o equivalente a 30 anos de melhorias na situação das mulheres no mercado de trabalho é lamentável.”


Devido às melhorias que as mulheres conquistaram no mercado de trabalho desde a década de 1980, os papéis de gênero tradicionais vinham mudando de forma gradual. Por exemplo, a quantidade de tarefas domésticas que os homens casados realizam mais que dobrou desde a década de 1960 (embora as mulheres casadas ainda realizem, em média, o dobro de tarefas quando comparadas aos homens). E nos últimos 15 anos, as mulheres deixaram de ser a pessoa responsável por fazer compras, lavar roupas, cozinhar, lavar louças e limpar a casa, embora elas ainda exerçam esses papéis na maioria dos lares. Psicólogos e sociólogos afirmam que, em casa, papéis sociais de gênero têm um impacto significativo na maneira segundo a qual as crianças crescem, assim como as expectativas que elas criam para elas mesmas e suas futuras famílias.


Os especialistas temem que a pandemia em curso esteja revertendo rapidamente os ganhos de patrimônio que as mulheres conquistaram ao longo dos últimos 30 anos, mas também se preocupam com os impactos duradouros que a observação da mudança de papéis sociais de gênero em casa terá sobre as crianças. No entanto, as escolhas que os pais e mães precisaram fazer durante esse período podem minimizar os efeitos nas crianças e até mesmo causar mudanças positivas, ocorridas durante esse momento desafiador.


“Mães de família que dependem do marido como fonte de renda configuram uma situação bem tradicional em relação ao gênero,” explica Martie Hasleton, professora de Psicologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles e no Instituto de Sociedade e Genética. No passado, isso com frequência significava que as mulheres — trabalhando fora de casa ou não — assumiam mais a responsabilidade por tarefas domésticas e cuidado das crianças.


Esses papéis tradicionais influenciaram o crescimento das crianças. De acordo com dados divulgados pela Escola de Negócios de Harvard em 2015 e 2018, filhas cujas mães que não trabalhavam fora fazem mais tarefas domésticas na idade adulta comparadas às filhas cujas mães tinham empregos, ao passo que filhos adultos fazem menos tarefas.


Mas, à medida que mais mulheres entraram na força de trabalho e começaram a ser mais bem pagas nos últimos 30 anos, os papéis de gênero em casa se tornaram mais igualitários — e as crianças só se beneficiaram com essa mudança. Os mesmos estudos de Harvard mostraram que filhas cujas mães trabalhavam fora de casa tinham mais probabilidade de exercer papéis de liderança no trabalho e ganhar melhores salários do que as filhas cujas mães ficavam em casa o tempo todo. Filhos com mães que trabalhavam fora de casa tinham a tendência de enxergar a questão de gênero de forma mais igualitária e passavam cerca de 50 minutos a mais por semana cuidando de membros da família.


Mas, conforme a pandemia em curso tem obrigado as mulheres a pedirem demissão ou reduzirem sua jornada de trabalho, Hasleton explica que esses avanços podem ser revertidos. Ela teme que as crianças que estão crescendo em lares com papéis de gêneros tradicionais irão internalizar esses papéis, fazendo com que a sociedade perca os ganhos de igualdade de gênero há pouco conquistados.


“As crianças talvez vejam isso acontecer e cresçam falando: ‘Mamãe cuida isso e papai, daquilo.’”, ela diz. “Isso não teria acontecido sem a pandemia.”


Leslie Forde, que desde o início da pandemia de covid-19 está realizando uma pesquisa sobre famílias para sua empresa de consultoria, Hierarquia das Necessidades das Mães, explica que, mesmo para as crianças de famílias em que um dos responsáveis sempre tenha exercido um papel de gênero tradicional, há a probabilidade de sentirem os impactos da pandemia. Outro exemplo é o de Ashley Lewis. Embora a carreira dela já fosse secundária em relação à carreira do marido, seu novo “emprego” como professora particular dos seus dois filhos em idade escolar intensificou ainda mais seu papel social de gênero — e isso afeta a maneira que seu filho entende o papel de “mãe”.


“Meu marido não está muito envolvido [com a escola]”, ela relata. “Eu tenho tempo para ajudar, então mesmo quando meu marido diz algo como: ‘eu posso ajudar na tarefa de matemática’, meu filho responde: ‘não, eu quero que a mamãe me ajude.’”


Um dos fatores responsáveis por essa influência nas crianças, conforme os papéis sociais de gênero mudam, é a frustração dos pais em relação ao novo normal. Kohler explica que, quando a ampliação do papel social de gênero não acontece por escolha própria, o impacto sentido pelas crianças pode ser ainda maior.


“A saúde mental das mulheres está sendo desproporcionalmente prejudicada na pandemia atual devido ao nível de responsabilidades domésticas e de cuidado que elas precisaram assumir”, ela lamenta. “Mais importante do que a divisão de tarefas é o sentimento de cada um com relação à situação. E, nesse momento, para milhões de mulheres, esse sentimento não é bom. Além disso, a forma pela qual esse nível de insatisfação e estresse vai afetar as crianças ainda não está clara.”


A boa notícia é que, com pais e mães ficando em casa, alguns pais estão assumindo tarefas domésticas e responsabilidades parentais que tradicionalmente caberiam às mulheres. Essa realidade passa uma boa mensagem sobre papéis de gênero para as crianças.


No lar da família Lewis, por exemplo, é o pai quem lava a louça todos os dias e realiza mais tarefas porque agora ele está em casa. Outros lares estão sob os cuidados quase integrais do homem. Randy Lum e sua esposa Abigail decidiram, já no início do relacionamento, que ele seria o principal cuidador dos filhos. Então, quando a pandemia de covid-19 começou, esse sistema ajudou a família a enfrentar a situação quando as duas filhas do casal não puderam mais frequentar a creche.


Forde conta que, conforme a pandemia se estende, mais famílias estão vivendo nos mesmos moldes das famílias Lewis e Lum. Os homens conseguem assumir mais papéis de gênero que não eram deles tradicionalmente, como responsabilidades parentais e domésticas, porque estão trabalhando em casa com suas parceiras, ou — conforme as mulheres são chamadas de volta para o trabalho na área de saúde e educação — tornam-se a única pessoa do casal a ficar em casa.


É uma oportunidade de mudar as expectativas em relação aos papéis de gênero, relata Forde, com quem a psicóloga Deborah Pontillo está de acordo. Por exemplo, quando os pais trabalham em casa as crianças conseguem enxergar o que cada um deles realmente faz e entender que ambos têm papéis igualmente importantes na família.


“As crianças podem agora perceber que as mães trabalham e, ao mesmo tempo, têm uma família e tentam equilibras as duas coisas,” ela diz. “Elas conseguem verde perto. Antes, era assim: ‘Mamãe trabalha’, uma ideia meramente abstrata”


Monique Lopez é não-binária e cria um filho de dois anos e meio com a esposa, em San Diego. Quando a pandemia começou e a creche do filho fechou, Lopez conta que, como elas já praticavam papéis de gênero fluido, não houve suposições sobre quem faria qual tarefa. Elas conseguiram combinar com facilidade o que precisava ser feito.


“Nós conversávamos pela manhã,” conta Lopez. “Todos os dias organizávamos o cronograma e o colocávamos em prática.”


A psicóloga Catherine Steiner-Adair explica que relacionamentos LGBTQ ou fora dos padrões de gênero tradicionais, como o de Lopez, costumam ter uma base de comunicação, já que a definição dos papéis começa antes. Lares com papéis masculinos e femininos também podem seguir esse exemplo ao estabeleceram uma comunicação definindo os papéis de cada um em relação às crianças e as envolvendo na comunicação, para que possam aprender que tais papéis não devem ser específicos para cada gênero.


“Eu escuto crianças relatarem fatos como: ‘não sabia que meu pai cozinhava,’” ela acrescenta. “Não há nada de errado em exercer papéis de gênero, contanto que as crianças sejam comunicadas e entendam que o fato de a mãe lavar as roupas e o pai tirar o lixo não significa que todas as mães precisam lavar as roupas.”


Os pais também podem ensinar as crianças sobre igualdade de gênero ao orientarem um ao outros ao invés de criticarem quando alguém não faz seu “papel tradicional” da maneira correta, como queimar o jantar ou usar sabão em pó demais.


“Os pais e mães estão se respeitando e reconhecendo os esforços de cada um: ‘isso realmente dá muito trabalho, especialmente nesse momento,’” Steiner-Adair conclui. “E sabemos que respeito é bom para as crianças. É prejudicial para as crianças crescerem em famílias em que os papéis das mulheres não são valorizados.”


Kohler aconselha que os pais procurem maneiras de equilibrar as responsabilidades sempre que possível, seja revezando as idas ao supermercado ou fazendo com que as crianças ajudem em tarefas que desafiem os papéis de gênero, como os meninos mais velhos ajudarem a cuidar das crianças mais novas.


“Certamente, isso seria benéfico para as crianças, não apenas por questões de igualdade de gênero, mas por observarem homens em papéis de cuidado e entenderem que as tarefas que as mulheres tradicionalmente realizam são importantes,” ela explica.

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